sábado, 7 de julho de 2007

O Paletó e o Poder

Gabriel García Márquez recusou o fraque na cerimônia do Prêmio Nobel. Preferiu um liquilique de linho branco, usado nas zonas rurais da Colômbia, e não uma indumentária das classes dominantes, sem qualquer marca cultural própria. A atitude causou certa estranheza, pois afinal se tratava do prêmio mais universal da elite e do poder. Se é para marcar uma posição, pensaram alguns, talvez fosse mais apropriada a simples recusa, como já o exemplificara Sartre com o Nobel - e, mais recentemente, Luandino Vieira, com o Prêmio Camões.

De qualquer modo, Gabo tem direito. E, retórica ou não, a reação toca em uma trivialidade apenas aparente, pois, como toda aparência, é plena de significado. Com toda ambigüidade possível, somos isso que sinalizamos. Lembro-me, por exemplo, do enterro do grande Carlos Petrovich, um ícone do teatro, da cultura baiana e também do povo de santo. Choraram, então, "brancos" e negros: homens brancos de preto e homens negros de branco. A indumentária, então, nada tinha de trivial. Ali e em toda parte, ela congrega, sinaliza, aproxima e afasta. Somos bem medievais ainda, a ter em conta a descrição de Johan Huizinga em seu belo O Outono da Idade Média. Expressamos espetacularmente nossa posição e não somos muito mais do que expressamos.

Indumentárias há que nos anulam, enquanto outras simulam uma certa identidade.Por vezes, parecem reduzir pessoas a funções, como se nos autorizassem uma presença invisível em certos contextos. Não se chega, então, a ser uma pessoa inteira, mas sim uma marcada pela farda. Na maioria dos casos, portanto, temos apenas um Zé Ninguém funcional; em diversos outros, porém, a indumentária sinaliza alguma autoridade, temerária ou benfazeja. Não por acaso, com alguma sabedoria, D. Hélder Câmara recusou-se a tirar a batina em tempos da ditadura e a adotar trajes mais civis. Naquele tempo, sabia bem, a batina podia valer ainda mais que um coleteà prova de balas.

Fazemos observações vagas sobre o clima ou comentários elogiosos sobre o vestuário quando não temos nada a dizer. Deve ser o caso, pois me vejo comentando vestuários. No caso, a diversa experiência, comum a todos, de estar ou não de paletó em Brasília. O que sinaliza, porém, um paletó? Ora, especialmente em Brasília, o paletó costuma gerar o efeito de produzir um alguém, uma autoridade. Se não identifica o maître do restaurante, se não é farda de garçom ou de algum religioso, sinaliza simplesmente alguma proximidade com o poder.

Na semana passada, por exemplo, precisando participar de uma solenidade, viajei logo de paletó. Ao contrário de minha costumeira displicência bem cuidada, do meu desmazelo medido, com preferência exata para certos tons e formas, estava já todo enfatiotado, com um terno bem apanhado e gravata bem escolhida. Muitos devem ter tido experiência semelhante. A amabilidade das pessoas foi então mais acentuada; seu tratamento, mais reverente. Do atendente à aeromoça, do taxista ao funcionário, sem falar da profusa abordagem de engraxates.

É certo que a comunidade, acostumada ao convívio, sabe distinguir tons diversos de neve. A linguagem do poder tem sutilezas. Assim, há paletós de servos e de senhores, cortes refinados e outros que parecem herdados de algum defunto. E um bom comentarista de moda poderia descrever ou intuir a crescente importância de alguns representantes do povo pela progressiva seleção de ternos e gravatas. Seria uma boa pesquisa. De qualquer forma, porém, com o paletó, alguma proximidade com o poder é sempre anunciada e, em decorrência, uma respectiva solicitude de serviços e serviçais, alguns inomináveis.

E Brasília, aparentemente tão insípida, sabe bafejar o poder, sabe tratar com mimos e ofertas, sabe estimular com sorrisos e outros benefícios o simples desejo até da mais medíocre autoridade, que cedo passa a sofrer de alguma espécie de vertigem das pequenas alturas. Nesses casos, Brasília é um convite à corrupção sistêmica, pequena e sorrateira. Nos cafés, vôos e restaurantes, é comum ver engravatados obscuros insinuarem seu grão de força e mencionarem sua participação na coxia da história.Minha observação de superfície se restringe a esse nada, a esses poucos lugares nãoc omprometedores, mas parece clara a satisfação com que, de alguma forma, mostram sentir-se eleitos e em lugar a que não renunciariam facilmente.

Que nos desculpem cientistas políticos e filósofos mais profundos, mas o paletó é mesmo parte da explicação de fenômenos políticos os mais diversos, como o célebre caso Severino Cavalcanti. Um pequeno convívio com esses espaços tira parte do mistério de sua eleição para a Presidência da Câmara. Foi um desses momentos em que, por um cochilo da instituição, ela se purgou do que estimula, um pequeno poder de largo alcance, um ruído de fundo, um lastro que sempre degenera em corrupção ou em constante troca de favores. Assim, com seu paletó de mau gosto, Severino parece ter expressado a própria negação da representação, um poder que apenas se alimenta, e muito, de si mesmo.

Podemos até confiar um pouco no combate à grande corrupção. Nisso, a visibilidade dos poderes pode ser decisiva. Mais difícil e tinhoso, porém, é esse desgaste natural dos materiais de que se compõe a engrenagem. Afinal, se o poder sempre corrompe, como o faria se, em pequeno, não se renovasse em atos e omissões? O poder também corrompe aos poucos, conspirando sutilmente, fazendo-se sedutor e tornando complacentes seus beneficiários, entregues aos pequenos mimos e cuidados - delícias pelas quais certos homens são capazes de mais do que escoteiros por canivetes suíços.

A pouco e pouco, então, no fausto de Brasília e sem uma vitalidade maior das nossas instituições, a representação coletiva facilmente pode degenerar em benefício individual, em compensação à qual se agarram os bafejados pelas virtudes terapêuticas do poder, do qual já se disse que faz rejuvenescer e até mesmo nascer cabelo. E não se iludam: nesses casos, o paletó é mesmo um perigo. E, com ele, como uma força da natureza, o baixo clero sempre retorna, alimentado por comissões diversas e uma verdadeira conspiração de manicures, engraxates e sorrisos de aeromoça.

João Carlos Salles é professor do Departamento de Filosofia da UFBA e publicou os livros A Gramática das Cores em Wittgenstein e O Retrato do Vermelho e outros

terça-feira, 1 de maio de 2007

Origem da palavra TRABALHO

A etimologia da palavra trabalho vem do vocábulo latino tripaliare, do substantivo tripalium ,aparelho de tortura formado por tres paus, ao qual eram atados os condenados, e que também servia para manter presos os animais difíceis de ferrar.
A concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a visao negativa.
Na Bíblia , Adão e Eva viviam felizes ate que o pecado provoca a expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho com o "suor do seu rosto".
A Eva , maior pecadora ( uma vez que tentou Adão , depois de um pacto com a Serpente ) tambémcoube o "trabalho" do parto.
Na Roma escravagista o trabalho também era desvalorizado. A palavra negotium indica a negação do ócio:ao enfatizar o trabalho como "ausência de lazer" , distingue-se o ócio como prerrogativa dos homens livres.
O que queremos transmitir sobre nos, quando dizemos que somos trabalhadores . ??